Minha vida ultimamente tem se resumido a leitos de hospital e UTIS, em apoio ao meu marido, que está em estado gravíssimo e sem muitas chances de recuperação, em vista da idade avançada. Estou reproduzindo aqui, alguns
trechos do, "Livro Tibetano do Viver e do Morrer”, do monge Sogyal Rinpoche,
por vir ao encontro de tudo o que sempre pensei
e de tudo o que essa terrível experiência tem me mostrado ao vivo e a cores.
A
cada horário de visita diária na UTI, fico sabendo de mais um ou dois casos de mortes,
ocorridas de um dia para o outro. Pessoas que estavam no leito ao lado na
véspera e já não estão mais lá, no dia seguinte. Morrem
sozinhas, longe do carinho e do convívio com a família, sem nenhum conforto
espiritual, entubados até a alma e, geralmente com sequelas neurológicas, pois
a cada vez que uma alma quer se libertar e o corpo para de respirar, é reanimado artificialmente,
até voltar novamente a uma situação, que a medicina convencional chama orgulhosamente de "manter a vida".
Será esta a vida que queremos manter, quando nós ou nossos entes queridos, estivermos à beira da morte, só porque a medicina se orgulha em ter tecnologia suficiente para prolongar o sofrimento indefinidamente?
Esse tipo de morte solitária, além de cruel e desumana, tira a oportunidade do ser humano de interagir com os seus, de pedir perdão aos afetos e desafetos, pois nesse momento todas as rixas deveriam perder o significado e só o perdão pode libertar.
Será esta a vida que queremos manter, quando nós ou nossos entes queridos, estivermos à beira da morte, só porque a medicina se orgulha em ter tecnologia suficiente para prolongar o sofrimento indefinidamente?
Esse tipo de morte solitária, além de cruel e desumana, tira a oportunidade do ser humano de interagir com os seus, de pedir perdão aos afetos e desafetos, pois nesse momento todas as rixas deveriam perder o significado e só o perdão pode libertar.
Será
que não chegou a hora de revermos esses conceitos?
A
morte é algo tão natural quanto a própria vida, porque evitá-la de forma tão
radical e à qualquer preço?
Esse é um texto do referido livro, cuja leitura recomendo a todos, mas principalmente para quem é da área da saúde.
Capítulo 13
Vim pela primeira vez ao
Ocidente no começo dos anos 70 e o que me perturbou profundamente, e ainda perturba
é a maneira como a morte é tratada na cultura ocidental moderna. No Tibete,
ninguém morre sem a assistência da família e da comunidade, que auxilia, tanto
nas providências imediatas, quanto nas necessidades de carácter espiritual.
Contaram-me muitas
histórias de pessoas no Ocidente, morrendo sozinhas, em meio a grande
sofrimento e desilusão, sem qualquer ajuda espiritual, e uma das minhas maiores
motivações ao escrever esse livro foi de que todos possam conhecer a curativa
sabedoria do mundo onde cresci.
Nós todos, não temos, por
acaso o direito de, ao morrer, ter, não somente nossos corpos tratados com
respeito como também, o que é mais importante, nossos espíritos? Não deveria
ser, um dos principais direitos de uma sociedade civilizada, o de levar a todos
os seus membros a possibilidade de uma morte digna? Podemos chamar este mundo
de “civilizado”, antes de aceitarmos isso como norma?
O que de fato significa
ter tecnologia suficiente para mandar pessoas à lua, quando não sabemos ajudar
os nossos companheiros humanos a morrer com dignidade e esperança?
Onde quer que eu vá no
Ocidente, fico impressionado com o imenso sofrimento mental, que resulta do
medo de morrer, seja este identificado ou não. Como seria tranquilizante se as
pessoas soubessem, que, quando estiverem morrendo, serão assistidas com amor e
compreensão!
A cultura ocidental manifesta
tamanha insensibilidade em seu utilitarismo e negação de todo valor espiritual,
que as pessoas, quando enfrentam uma
doença terminal, ficam aterrorizadas ante a perspectiva de serem jogadas fora,
como um traste inútil.
No Tibete, há uma
disposição natural de dar assistência física, emocional e espiritual aos doentes
com poucas chances de recuperação, pois é o seu momento mais grave e de maior
vulnerabilidade. No Ocidente, a única atenção que a sociedade presta a essas
pessoas é o evento social de ir ao seu enterro.
Esse é um estado de coisas
trágico, desumano e humilhante, que precisa mudar.
Todas as pretensões de
poder e sucesso no mundo moderno parecerão vazias de sentido, até que cada homem
ou mulher nesta cultura possa morrer em paz ou que, ao menos se faça algum
esforço real para tornar isso possível.
A Cabeceira da Morte
Uma amiga, que há pouco
diplomou-se numa reconhecida faculdade de medicina começou a trabalhar num dos
maiores hospitais de Londres. No seu primeiro dia na enfermaria, quatro ou
cinco pessoas morreram. Foi um choque terrível para ela, porque nada, no
treinamento que recebera para o trabalho que ia exercer a tinha preparado para
lidar com isso. Não é espantoso que seja assim, já que estudou para ser médica
e portanto, lidar com a vida e a morte?
Um velho jazia em sua
cama, olhando fixamente para a parede. Estava sozinho, sem família ou amigos
por perto e parecia desesperado para falar com alguém. Ela foi para perto dele. Os olhos do homem se
encheram de lágrimas e a sua voz tremia, quando lhe fez a última pergunta que
ela esperava ouvir: Acha que Deus, algum
dia perdoará os meus pecados?
Minha amiga não tinha a menor
ideia do que responder; seu treinamento a deixara totalmente despreparada para
qualquer questão espiritual.
Não tinha nada a dizer, no
momento mais crucial da vida do seu paciente, só podia esconder-se atrás do seu
status de doutora....
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E por aí segue...o livro é
grande, tem 529 págs. Mas se não puderem encontrá-lo, penso que só esse
trecho já serve como uma bela reflexão sobre o que estamos fazendo com os nossos
doentes...
Está na hora de encararmos seriamente a única certeza que temos na vida e tomarmos uma decisão: Queremos continuar nos submetendo aos desmandos da matrix e morrer sozinhos e entubados numa UTI, ou queremos ter o direito de escolher uma morte digna, respeitando os desígnios divinos, junto ao carinho e o apoio dos nossos entes queridos?
Só podemos tomar essa decisão, quando não tivermos mais medo da morte, principalmente numa idade avançada. Por isso, recomendo a leitura desse livro e a divulgação dessa matéria. Quanto mais pessoas tomarem consciência dessa questão, mais teremos força para exigir o nosso direito de escolha, inclusive na justiça, se for preciso.
Anny Luz